São Paulo, 05/12/2018 – A aprovação hoje na Câmara do projeto de lei que cria regras para os cancelamentos dos contratos de compra e venda de imóveis na planta – os distratos – é visto por empresários como o combustível que faltava para alimentar o reaquecimento do mercado imobiliário, que amargou redução de lançamentos e vendas durante a crise nacional.
“Agora não há por que imaginar que esse mercado não vai crescer”, afirma o presidente da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), Luiz França. “Temos melhora das condições macroeconômicas, juros abaixo de dois dígitos, desemprego decrescente e, a partir de agora, um marco regulatório que dará segurança para realização dos investimentos”, complementa.
Embora a associação ainda não tenha fechado suas projeções para 2019, a expectativa já é de crescimento do setor no próximo ano. “Nas conversas preliminares, vemos uma onda de otimismo entre os incorporadores”, destaca França.
Os dados mais recentes da Abrainc mostram que o setor já está passando por uma inflexão, com retorno do crescimento. No acumulado de janeiro a setembro deste ano, os lançamentos totalizaram 66.578 unidades, aumento de 28,5% frente ao mesmo período do ano passado. As vendas líquidas somaram 61.650 unidades, expansão de 19,3%. Já os distratos chegaram a 21.358 unidades no ano, queda de 18,4%. Parte da recuperação reflete uma melhora da economia brasileira, mas boa parte está relacionada à comparação com os números fracos do ano passado.
Na visão do diretor-presidente da loteadora Alphaville Urbanismo, Klausner Monteiro, os distratos causavam um distorção no mercado, uma vez que obrigavam a devolução do dinheiro já empregado nas obras, comprometendo o fluxo de caixa da empresa e a viabilidade dos empreendimentos. “A aprovação dessa lei nos deixa mais confiantes para realizar novos negócios. Ela não cria um mercado novo, mas dá segurança suficiente para se lançar os projetos programados para atender a demanda existente”, diz.
A definição de regras mais claras deverá “ressuscitar” principalmente os empreendimentos destinados a clientes de renda média e alta – foco da ocorrência dos distratos nos últimos anos. Isso porque na venda de imóveis populares, como os enquadrados no Minha Casa Minha Vida, o financiamento bancário é concedido no ato, situação que minimiza riscos de rescisões nos meses posteriores.
“A aprovação da nova lei vai gerar um ímpeto de injeção de recursos no segmento de média a alta renda”, enfatiza o diretor de relações com investidores da Eztec, Emílio Fugazza. Segundo ele, a incorporadora voltará a estudar o lançamento de projetos de grande porte, com 500 a 1.000 apartamentos, perfil que ficou de fora das safras de lançamentos por vários meses. Na crise, a prioridade eram empreendimentos menores, com maior liquidez, para se evitar o risco de distratos. “Uma parte do nosso banco de terrenos para o segmento de média renda pode ser lançado no curto prazo. E devemos sair à compra de novos terrenos para esse segmento, que está pouco atendido”, acrescenta.
Regulamentação carente – A ausência de regras para o cancelamento dos contratos de venda de imóveis na planta colocava o Brasil numa posição que destoava de outros países, onde o distrato quase sempre é proibido. E nos casos em que a rescisão do negócio é permitida, os consumidores não são ressarcidos pelos valores já pagos na fase de obras, ficando, inclusive, sujeitos a processos. As informações constam em estudo produzido pela equipe de análise de construção civil do banco BTG Pactual e publicado no início do ano passado.
O levantamento comparou as regras para distratos em 11 países desenvolvidos e emergentes: Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, Espanha, Estados Unidos, França, Itália, Portugal, México e Reino Unido. A conclusão foi de que apenas no Brasil e na Austrália o distrato é permitido. Nos demais, o comprador e o incorporador são obrigados a honrar o contrato de comercialização. Caso o acordo seja rompido, os compradores australianos perdem o valor já pago. Só os brasileiros recebem devolução.
O relatório apontou também que em todos os países, com exceção do Brasil, os compradores que rescindem o negócio estão sujeitos a processos, em que a pena é reassumir a compra ou compensar os gastos da empresa com a venda desfeita. “Uma análise das diferenças em relação a outros países mostra que a decisão judicial no Brasil sobre cancelamentos é incerta e muito mais pró-consumidor”, descreveu a equipe de analistas do BTG Pactual.
Vale ponderar, no entanto, que o mercado imobiliário tem particularidades em cada País. No Brasil, por exemplo, a duração da obra gira em torno de 24 a 36 meses, enquanto outros países têm ciclo mais curto, o que ameniza imprevistos financeiros que geram os distratos – como perda de emprego ou elevação das taxas de juros do financiamento bancário, situações que foram amplamente vistas durante a crise brasileira.
(Circe Bonatelli – circe.bonatelli@estadao.com)
Fonte: ESTADÃO, DEZ. 2.018